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Game Over para o Game Over

Por Redação com Pop 20/01/2015 16h04
Foto: Divulgação
Por mais de 40 anos, jogar videogames é o passatempo favorito de muita gente por aí. Obviamente a mídia evoluiu muito desde seu surgimento: Cartuchos deram lugar a CDs, DVDs e finalmente Blu-rays, os gráficos passaram de poucos polígonos quadradões a maravilhosos mundos tridimensionais cheios de vida, e as músicas saíram de chiptunes limitados para lindas orquestrações.

Apesar de tantos avanços técnicos, a transição entre gerações de consoles até que foi bem suave, e o objetivo básico dos games se manteve razoavelmente fiel com o passar dos anos: tentar chegar até a última fase somando o máximo de pontos, conquistas ou colecionáveis possível. E, claro, não esbarrar com a temível tela de Game Over.

Afinal, nos melhores casos essa infame tela o levava de volta ao início da fase às custas de um continue, e nos piores ela era bem literal, dando fim a todo seu progresso no jogo. Certamente uma visão assustadora, que fazia todo jogador tomar o maior cuidado para administrar suas vidas. Pois é, “fazia”. Pense bem: há quanto tempo você não esbarra com uma tela de Game Over?

Mesmo os jogos mais nostálgicos, que seguem uma fórmula mais tradicional, acabaram “banindo” o Game Over da existência, quase sem querer, graças aos abundantes recursos de salvamento de progresso. Já o grosso do mercado parece ter abandonado o Game Over por passar a enxergar a experiência de jogar videogames de uma forma diferente a que nos acostumamos nas décadas de 1970 e 1980.

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No começo de vida dos videogames, o Game Over e a alta dificuldade eram frequentes, já que só assim as desenvolvedoras podiam esticar a vida útil de seus lançamentos. Que outro jeito elas teriam de manter a galera jogando “Battletoads”, “Ninja Gaiden” ou “Contra” por meses a fio?

São jogos excelentes, sem dúvida, mas se você pudesse contar com vidas infinitas e salvamento instantâneo quando bem entendesse, dificilmente eles teriam sido elevados ao nível de clássicos, já que bastaria uma ou duas horinhas para conferir tudo que eles tinham a oferecer.

Videogame ou filme interativo?

Por alguma razão, tudo isso passava pela minha cabeça enquanto eu estava deitado numa típica tarde de domingo jogando meu “The Last of Us: Remastered”. Estranho, não? Eu deveria estar me divertindo com o game, mas estava levantando todas essas lembranças e questões ao invés de zelar pelo bem estar de Ellie e Joel.

A verdade é que eu já cansado de caminhar por um mundo pós-apocalítico guiado pela mão invisível da narrativa cinematográfica, e esse cansaço ajudou a ficha a cair: aquilo estava sendo um saco, e eu não me sentia motivado a continuar. Sem risco e desafios, não estava mais encontrando a mesma recompensa de décadas passadas.

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A cada sequência de ação cuidadosamente coreografada para parecer o mais cinematográfica possível, fui me lembrando de outros jogos que, em maior ou menor escala, tinham despertado um sentimento similar em mim. De “God of War” a “Assassin’s Creed”, parece que os games modernos estavam tão próximos dos filmes que, sem querer, acabaram me privando do que deveria ser o maior atrativo dos jogos eletrônicos.

Ora, o que é o charme do videogame senão a capacidade de ditar o rumo da ação que se desenrola na tela? Ser senhor do seu destino e dar o seu melhor para que a aventure continue sempre indo em frente. Se eu me sentia um herói ao salvar a princesa em “Super Mario Bros.” é porque, de fato, eu superei dificuldades o bastante para me sentir bastante heroico. Era meu direito conquistado me gabar por chegar ao fim de algo tão desafiador.

Essa mudança de foco foi um processo natural, quase impossível de ser notado em tempo real – e sequer parece possível voltar e apontar um ponto preciso de transição -, mas o fato é que hoje os jogos já gozam de uma estrutura bem diferente daquela de tempos passados.

Se antes tínhamos meia dúzia de fases desafiadoras e com alto fator replay, hoje os games parecem infinitamente mais agradáveis de assistir, mas também bem mais burocráticos para se jogar. Experimente botar algum parente ou amigo do seu lado enquanto joga. Posso garantir que a outra pessoa irá se divertir mais vendo você passar como um raio pelos “desafios” e saltos acrobáticos de “Uncharted 3” sem perder uma vida sequer do que se fosse convidada a vê-lo penando pela trigésima vez na mesma fase de “Mega Man 3”.

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Por outro lado, o que é mais gratificante? Superar um pulo automático e bem coreografado com Nathan Drake, sem chances de erro, ou ter elaborado reflexos bons o bastante para explodir um tiro de Mega Buster bem na cara de um robôzinho que surge sem aviso do abismo fatal logo abaixo?

Foi aí que fiz minha escolha e, com alguma adrenalina para queimar, desliguei o PlayStation 4, revirei meus armários, instalei uma velha tv de tubo e, ainda com bastante vontade de terminar a tarde jogando algo, tirei a poeira do meu Nintendo 64 e de algumas fitas.

Fazia mais de uma década desde que eu havia encostado em “Star Wars: Rogue Squadron” pela última vez e, seja por estarmos no ano de “Despertar da Força”, seja pela X-Wing cortando os céus imponente na arte da capa, seja por puro desígnio da força, decidi que ele era o jogo que ocuparia o resto do meu dia.

Após duas assopradas no cartucho para tirar a poeira (e lembrando, já no primeiro sopro, que eu havia lido que isso não ajudava em absolutamente nada), a nostalgia bateu forte no estômago quando os logos da Factor 5 e LucasArts explodiram na tela.

A força estava com os cartuchos

Que fique claro, a nostalgia, por si só, já seria motivo suficiente para garantir uma tarde muito feliz e reviver todo meu amor pela marca “Rogue Squadron”, mas havia algo de diferente ali. Ao migrar diretamente do PlayStation 4 para o Nintendo 64, a diferença entre o foco dos games de cada geração ficou ainda mais clara.

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Imediato, acessível e viciante, ao perder várias vidas em uma mesma missão algumas vezes senti aquele desafio tão bacana. As fases, como logo descobri, continuavam marcadas na memória nos menores detalhes – ei, eu lembro que um tie bomber vai surgir detrás daquela colina!

Cada Game Over me fazia desejar ser melhor, dar o meu melhor, e finalmente colher os frutos do meu treinamento. Continuei jogando, a tarde virou noite, meus reflexos passaram de Padawan a Mestre Jedi, e a aventura foi concluída. Assim como minha jornada pelo mundo da nostalgia.

Foi bem agridoce levar o Nintendo 64 de volta à sua aposentadoria, guardado na gaveta junto com um estilo de jogo que não volta mais. De fato, o jogo acabou.