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Mortes em ações policiais sobem 60% no Rio; um policial morreu a cada dois dias

Por G1 Alagoas 15/06/2017 13h01 - Atualizado em 15/06/2017 17h05
Foto: Divulgação/ Ilustração
Por todos os lados, vidas que foram interrompidas por balas. Um levantamento exclusivo feito pelo G1 com base em dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostra que as mortes associadas às intervenções policiais cresceram 60%. Já o assassinato de policiais militares beira os 80 casos em 2017. Um PM é morto a cada 2 dias.

Em meio ao caos, especialistas ouvidos pela reportagem indicaram falhas na política de segurança pública implementada nos últimos anos e sugeriram saídas para interromper o ciclo de mortes.

Os dados levantados expõem números de um conflito sem vencedores, apenas vítimas. Só no primeiro quadrimestre deste ano, em dez das 45 delegacias distritais analisadas houve registros de 117 mortes pelas mãos de policiais, também chamados homicídios decorrentes de intervenção policial (antes denominados autos de resistência).

O local com maior número de casos compreende a área da 21ª DP (Bonsucesso). Lá, nos primeiros quatro meses deste ano, há registros de 28 mortes. No mesmo período do ano passado, foram 16 casos. Outros bairros na mesma região da cidade acompanham os indicadores de violência policial. São eles: Pavuna, Vicente de Carvalho, Ricardo de Albuquerque, Irajá, Inhaúma e Engenho Novo.

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Ainda assim, percentualmente entre os dez bairros elencados, é Bangu, na Zona Oeste, que compila o número de autos de resistência com variação mais expressiva: 260% de aumento em relação ao mesmo período do ano anterior. Depois, Ricardo de Albuquerque, com 233% e, em seguida, Irajá, com 125% mais casos.

Ao todo, em todas as delegacias da capital, foram registradas 178 mortes por armas disparadas por agentes do Estado. No mesmo período do ano passado, as dez unidades analisadas registraram 111 casos. A diferença representa um aumento de 60% dos casos.

Sobre o levantamento, a Secretaria de Estado de Segurança (Seseg), em nota, comunicou que tem como "principais diretrizes a preservação da vida e dignidade humana, o controle dos índices de criminalidade e a atuação qualificada e integrada das polícias".

O texto também ressalta que o secretário Roberto Sá "mantém interlocução permanente com os comandos das polícias Militar e Civil orientando-os na busca incessante de medidas que impactem na redução dos indicadores de violência, principalmente o de letalidade violenta, inclusive a decorrente de intervenção policial".

Do luto à luta
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Em meio a tantos casos, existem vários que permanecem, após anos, sem solução. Para cada uma das vítimas, há mães que esperam respostas do governo e da Justiça sobre o que ocorreu com seus filhos. São mulheres que se recusam a aceitar a versão oficial da polícia de que as mortes foram durante confronto.

Uma delas é Janaína Matos Alves, mãe de Jhonata Dalber, morto aos 16 anos. No dia 30 de junho do ano passado, Janaína pediu que o filho fosse ao Morro do Borel, na Tijuca, buscar saquinhos de pipoca para levar à festa junina do filho caçula, que seria no dia seguinte. Quando voltava para casa, Jhonata foi baleado na cabeça. Na versão dos PMs, o adolescente foi morto durante um tiroteio e, inclusive, teria revidado os disparos.

"Não teve tiroteio, não teve operação. Não teve nada. Os policiais alegaram que teve tiroteio. Não teve tiroteio nenhum porque tinha gente subindo [o morro], tinha gente descendo. E ele deu um tiro só no meu filho, na testa. Não foi para abordar, ele executou o meu filho. Se fosse para abordar, ele não precisava atirar", disse a mãe.

Ao lado de outras mães, resta a Janaína esperar a conclusão das investigações que podem apontar os culpados. Enquanto isso, durante a apuração do crime, nenhum PM suspeito de envolvimento no caso foi preso ou ao menos afastado das ruas.

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Esse, aliás, é um dos aspectos do processo de investigação criticado pela diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck. Segundo ela, o aumento do número de mortes associado à letalidade policial é reflexo de uma estratégia de confronto da segurança pública do Rio. Um conflito que de acordo a diretora está associado a um decreto de "guerra às drogas", que culmina na "morte do outro lado, a morte do inimigo".

"É preciso que se controle a capacidade da polícia de produzir mortes. A letalidade policial precisa ser reduzida. O homicídio cometido pela polícia é o tipo de homicídio que tem um autor conhecido. Então, a investigação deveria ser mais fácil. E o que a gente vê é que não se investiga isso. O policial que é envolvido numa morte não é afastado para poder provar que aquela morte foi produzida em defesa da vida", opinou Werneck.

Ainda que tenha "autor conhecido", o homicídio decorrente de intervenção policial, de fato, leva tempo para ser apurado. Gláucia dos Santos é mãe de outra vítima do que, a princípio, teria sido um auto de resistência. O filho dela, Fabrício, foi morto aos 17 anos num posto de gasolina em Guadalupe, no dia 31 de dezembro de 2013. Até hoje a mulher espera uma decisão definitiva do caso.

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Na época, militares do 14º BPM (Bangu) alegaram que o adolescente estava com outros suspeitos e, segundo os PMs, os jovens efetuaram disparos contra a equipe. Imagens de câmeras de segurança divulgadas mostram o momento em que o adolescente, numa moto, é perseguido por uma viatura. Outro vídeo registra quando, de dentro da viatura, um disparo é feito. O tiro acertou a cabeça de Fabrício.

"E eu fiquei procurando o corpo do meu filho naquela madrugada... E, então, recebi a notícia que ele estava no Hospital de Realengo, já de manhã. Que, foi na madrugada e já era de manhã... Eu estava grávida, passei muito mal. Daí, eu enterrei o meu filho. Saí do meu luto para a luta", contou, com a voz embargada, a mãe.

'É policial? Você vai morrer'
O recrudescimento da violência na cidade também está evidente no número de policiais assassinados em 2017. Só este ano, 76 policiais militares foram mortos até o dia 5 deste mês, segundo informações da corporação. É um PM morto a cada dois dias. Do total, 15 estavam em serviço, 44 de folga e 17 eram reformados.

Já a Polícia Civil não registrou nenhuma morte de agente e a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária informou que, neste ano, um agente foi morto e outro está desaparecido. De longe a que mais tem registros de mortes, a crueza dos números da PM surpreende até mesmo aqueles que foram treinados para estar na linha de frente da tropa.

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"Nunca [vi números como esses], nunca. Assustador. Coisa que fica na nossa cabeça e a pergunta que fica na cabeça de todo policial que acorda cedo para trabalhar é: 'Será que eu vou ser o próximo? Será que eu vou ser o 76, 77 dessa lista, dessa estatística?", desabafou um PM que preferiu não ser identificado.
Há 13 anos na corporação, o PM explica como a rotina dos militares no Rio necessariamente mudou. Segundo ele, colegas de fardas relatam diariamente a preocupação rotineira com "a morte batendo à porta".

Particularmente, o PM disse que deixou de frequentar certos lugares e muitos de seus pares deixaram de andar armados ou com identificação oficial. O militar avalia que, dessa forma, está se abdicando da vida de PM e que "aquela história do policial ser policial 24 horas", já não existe mais.

"O policial que não está entendendo isso, que hoje não dá mais pra manter determinadas coisas que nós mantínhamos há cinco, seis, sete anos, está pagando com a própria vida. Pelo simples fato de ver que o cara tá armado, ou identificado, eles matam mesmo. Pode ser mulher, pode ser recruta, pode ser policial com 30 anos [de corporação]. Não tem "mas". Morreu por ser policial, independente se você trabalha no rancho, na guarda ou numa patamo, que é o combate diretamente aos traficantes. É policial? Você vai morrer. Pelo simples fato de ser policial."

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Em nota, a PM informou que o comando da corporação "tem tomado medidas para reduzir os números de vitimização, além do Programa Deslocamento Seguro, que intensifica o policiamento em trajetos onde foi registrada a maior incidência de vitimização policial".

Já a Seseg, em nota, comunicou que o secretário Roberto Sá "determinou rigor nas apurações dos casos de homicídios de policiais civis e militares e pediu a rápida identificação dos assassinos".

Segurança frágil
Consultor de segurança e ex-chefe de Estado Maior da PM, o coronel Robson Rodrigues vê com preocupação tanto o aumento do número de autos de resistência quanto o crescimento de casos de policiais mortos. Para o oficial, que hoje está na reserva da corporação, os indicadores reforçam a hipótese de que há uma "fragilização da segurança como um todo".

Uma das causas disso está associada, segundo ele, a um problema na orientação dos comandos das policiais Militar e Civil. O oficial diz que para além das crises financeira, política e econômica, os números de violência também demonstram falta de liderança nas instituições.

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"A própria segurança pública e suas instituições policiais não estão sendo capazes de proteger nem mesmo os seus integrantes. Os próprios policiais, nas suas horas de folga, estão sendo vitimizados nos mesmos locais onde há maiores números de homicídios e maiores números de auto de resistência", diz o oficial.

Membro da Comissão de Segurança da Assembleia Legislativa do Rio, o deputado estadual Flávio Bolsonaro avalia que o número de casos de homicídios de policias aumentou devido à sensação de impunidade de criminosos e ao estado de calamidade, e suas consequências. Bolsonaro também cita audiências de custódia e "legislação frouxa" como elementos que enfraqueceram a atividade policial. O parlamentar ainda direcionou críticas à implementação das Unidades de Polícia Pacificadora, projeto que estava na vitrine do governo e que, hoje, traz problemas.

"A própria Polícia Militar já diagnosticou, com um estudo de vitimização de policiais que foi publicado recentemente, tem dois meses, mais ou menos, eles chegaram à conclusão que grande parte das UPPs são completamente improdutivas. Quando você compara a quantidade de ocorrências entre os batalhões convencionais e as viaturas das UPPs, é drástica a diferença", disse o deputado.