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Polêmica: cartilha distribuída a crianças de escola municipal associa gordo a botijão

Por G1 16/04/2018 22h10 - Atualizado em 17/04/2018 01h01
Foto: Reprodução
Uma cartilha com orientações sobre hábitos alimentares entregue para alunos de uma escola da rede municipal de São José dos Campos (SP) gerou polêmica . As mães reclamam da abordagem, considerada por elas preconceituosa e agressiva, ao tratar a obesidade infantil como um pesadelo. No material, uma história em quadrinhos traz personagens acima do peso que se comparam a um botijão e com medo de olhar no espelho. Após ser acionada pelo G1, a prefeitura disse que vai recolher o material. 

A cartilha ‘A Fantástica Magia dos Alimentos - informações para uma alimentação saudável’ foi entregue aos alunos do 4º ano da escola municipal Maria de Melo, no Parque Industrial, na última sexta-feira (13). O material faz parte de um projeto desenvolvido na escola, na aula de educação física, para estimular a alimentação saudável e o combate ao sedentarismo.

No quadrinho, a personagem Alice sonha que está em um mundo rodeada pelas tentações das guloseimas e, quando engorda, tenta fugir. Na tirinha, ao se ver no espelho, Alice, não se reconhece e o espelho pede que ela 'não se assuste' com a imagem refletida. Ao tentar correr, ela ainda questiona se, por estar gorda, vai conseguir passa pela porta. Em outro trecho, a personagem diz pra si que precisa ser rápida para executar uma ação, mas não consegue por estar 'tão pesada'.

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As mães reclamam da forma como a publicação tratou o tema obesidade. Para elas, o texto impõe às crianças medo da alimentação, distorção de imagem e reforça preconceitos como o que associa que pessoas acima do peso são devagares e roncam. Especialistas concordam.

Patrícia Teles é mãe de um menino de 9 anos. O filho dela recebeu a cartilha e questionou o personagem se chamar de botijão. Ela contou que o filho é obeso, faz tratamento e que ela defende o combate aos preconceitos que o material destaca.

“Eu não quero que ele se veja assim. Ele tem alimentação saudável, pratica esporte e é uma criança normal e ativa. Tento mostrar que o corpo não é um problema e que ele ser saudável é o que importa. Faço isso em casa e aí ele chega a escola com um discurso completamente diferente? Isso estimula o bullying em sala”, avaliou.

Lilian Braz é mãe de uma menina de 9 anos que também recebeu o material. A mãe conta que é obesa e se sentiu ofendida com a publicação. “Eu sou mãe de menina e sei que existe uma pressão sobre a imagem das mulheres. Sendo uma mãe acima do peso eu trabalho para que minha filha não tenha medo da imagem, da comida. Isso foi um choque para nós”, disse.

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No site da editora responsável pelo conteúdo do material, o material é descrito como ideal para crianças a partir dos seis anos. A publicação é descrita como 'uma divertida história em quadrinhos que vai possibilitar às crianças uma viagem pelo mundo da fantasia e conhecer hábitos alimentares prejudiciais à saúde'. A editora ainda diz que há no material os dez passos para não deixar que a magia dos alimentos se transforme em um 'monstro'.


Outro lado

A reportagem do G1 questionou a editora sobre o conteúdo da cartilha e aguardava o retorno até a publicação. O dono da editora Alexandre Carlos disse apenas, por telefone, preliminarmente, que a obra foi mal interpretada e que tentou entrar 'dentro do imaginário da criança' para mostrar a crueldade que é a obesidade infantil.

A Secretaria de Educação e Cidadania de São José dos Campos informou em nota que essa cartilha foi feita pela gestão passada e foi distribuída por uma professora na escola. "A Secretaria reconhece e agradece as observações feitas pelos pais e informa que já determinou que todos os materiais sejam recolhidos", concluiu a nota.

A gestão passada negou que a cartilha teria sido adquirida pelo governo Carlinhos Almeida. "A cartilha 'A Fantástica Magia dos Alimentos', não foi e nunca seria adquirida pelo governo Carlinhos Almeida por não atender a política pedagógica defendida pelo PT", informou por nota.

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O G1 consultou o Portal da Transparência da Prefeitura de São José dos Campos e constatou que 10 mil unidades da cartilhas, ao custo de R$ 18.900 e com a dispensa de licitação, foram adquiridas pela gestão de Felício Ramuth em novembro de 2017.

Também foram encontradas compras de material sobre prevenção à obesidade infantil na gestão do ex-prefeito Carlinhos Almeida (PT). O fornecedor é o mesmo. Ao ser questionada sobre essa compra, a gestão anterior disse que a distribuição do material nunca foi feita no governo do petista.

Análise

Para especialistas consultados pelo G1, a abordagem do material, que relaciona a imagem corporal à saúde, é contrária ao objetivo que é criar nas crianças bons hábitos alimentares. Para a psicóloga especialista em transtornos da autoimagem, Viviane Mendonça, a personagem percebe um problema quando vê os amigos e a si própria como gorda e não porque há problemas na saúde.

“Ela não estava doente, o primeiro sintoma foi não estar com o corpo no padrão. Em seguida, ela se assusta com a sua imagem no espelho. Isso é um choque para a criança, já que é na infância que começamos a lutar contra o padrão social para o corpo e preconceitos com a imagem corporal do outro. O que esse material faz é terrorismo com o corpo”, defendeu a especialista.

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Ela ainda questiona a escolha do material para ser tratado em sala de aula, com o risco de criar situações de buillying.

Para a nutricionista Pâmela Terra a alimentação saudável não pode ser baseada no terrorismo com o paladar infantil. Em um dos trechos, a cartilha dá exemplos de alimentos, com informações sobre o número de calorias e quanto é preciso 'correr' para gastar o acumulado com o alimento.

“O que precisamos é treinar o paladar da criança para o saudável, mas não esquecer que ela é criança e que existem alimentos dessa fase. Não colocar na criança o medo de comer, contando calorias. Isso é um risco para desenvolver transtornos alimentares. A alimentação saudável não está atrelada à imagem corporal, que é individual”, concluiu.