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Profissionais de saúde defendem mudança no tratamento psiquiátrico em Alagoas

Por Redação com Gazetaweb.com 11/03/2019 14h02 - Atualizado em 11/03/2019 17h05
Alagoas ainda está muito atrasado e precisa abraçar a Política da Reforma Psiquiátrica - Foto: Ailton Cruz/Gazetaweb
Nas sete residências terapêuticas que abrigam setenta ex-internos de longa permanência dos hospitais psiquiátricos de Maceió nenhum morador é tratado como paciente. A lógica é outra. A ideia antiga de paciente psiquiátrico é aquela onde as pessoas esperam o tratamento num longo período de internação e em cárcere privado, conforme explicou o psicólogo Luiz Antônio Dorvillér Moreira de Mendonça Júnior, que trabalha como técnico de referência de quatro destas casas.

Nesse fim de semana, a Gazeta de Alagoas mostrou, em reportagem especial, o sofrimento de centenas de pessoas que ficaram mais de duas décadas reclusas e dopadas nos hospitais.

Com a reforma psiquiátrica, Maceió aderiu às novas residências terapêuticas, que resgata a cidadania das pessoas. O psicólogo Luiz Antônio Dorvillér Moreira de Mendonça Júnior é um dos profissionais que participaram da criação das residências por entender que os hospitais, até a adoção da reforma psiquiátrica no Brasil, causavam mais sofrimento para quem precisava cuidar da saúde mental.

"As agonias que alguns moradores ainda sentem são sintomas de muitos desejos que lhes foram negados. O nosso trabalho é contribuir para o resgate da dignidade dos moradores das casas e basicamente ouvi-los".

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Alagoas ainda está muito atrasado e precisa abraçar a Política da Reforma Psiquiátrica. Para isso, os profissionais defendem a necessidade de instrumentalizar a Rede de Atendimento Psicossocial (Raps).

Antes dos moradores das residências saírem dos hospitais de Alagoas para voltar a viver em casas, a partir de 2017, a equipe de profissionais da Associação de Usuários e Familiares dos Serviços de Saúde Mental de Alagoas (Assuma) estudou cada caso e percebeu que as pessoas recebiam muitos "nãos" para os seus desejos de liberdade.

Isto, segundo o psicólogo Luiz Antônio Moreira, pode ter contribuído para o mal-estar de cada um que alimentava a impressão de que estava sozinho no mundo. "Aqui, (nas RTs) o principal remédio oferecido aos moradores é escutar cada um. O trabalho é delicado e dedicado. Na verdade, eles também consomem a medicação prescrita porque são usuários de longa permanência. Muitos têm seu estado com a patologia tonificada. Isto não impede que tenham acesso à vida social e aos territórios onde moram. A gente discute sempre com os médicos e as equipes do Caps a questão do tratamento de cada morador", disse Luiz Antônio.

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Os profissionais das residências dedicam atenção para cada morador e obedecem a história de vida deles. "A gente não traz a lógica do hospital psiquiátrico de que todos são esquizofrênicos e, por consequência, pessoas violentas em potencial. Se a gente consegue se aproximar dessas pessoas, conversar com elas, muitos desses momentos a gente consegue evitar", acredita Luiz Antônio, ao destacar históricos de pessoas que, durante 20 anos, consumiram determinados medicamos.

"Num determinando momento, a medicação não faz mais efeito e, em vez de ajudar, produz mais sofrimento porque a medicação mexe com o organismo e gera outros sintomas", reforça.

Luiz Antônio integra o projeto de implantação das residências terapêuticas como técnico da Assuma desde a criação. Considera que vive um desafio profissional, porque as questões de sociabilidade dos moradores estavam vetadas pelos hospitais. Hoje, cada um dos 70 moradores está reaprendendo a se colocar novamente na sociedade.

"A nossa lógica de trabalho envolve a escuta, reaproximação de cada um e pretendemos ajudá-los na reocupação territorial. Isto traz novos desafios já que envolve desejo de cada um e a gente trabalha com respeito às individualidades. Assim, estimulamos que eles respeitem também os espaços dos outros".

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O psicólogo considera que o hospital psiquiátrico se tornou uma prisão. "Manicômio não cura, tortura a pessoa que está em sofrimento, de mal com mundo, com tudo e a deixa trancada numa sala, numa enfermaria. Residências terapêuticas não podem ser prisões e nem conviver com esta lógica de tratamento hospitalar".

O psicólogo Luiz Antônio considerou que hoje os moradores das residências têm importantes aliados entre os médicos, na prefeitura de Maceió e destacou também a ajuda da enfermeira Amanda Braga, do programa de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde.

Reforma

A Reforma Psiquiátrica do Brasil pretende acabar com as internações de longa permanência. Alagoas é um dos últimos estados a implementar as residências terapêuticas com sete casas. Em Recife (PE), por exemplo, tem 260 RTs.

Luiz Antônio inocentou as famílias que abandonaram os parentes nos hospitais psiquiátricos. "Durante anos disseram às famílias que os hospitais eram o único lugar para tratar da saúde mental de pessoas. Hoje, não é mais assim. A gente precisa dizer para os parentes dos moradores das residências terapêuticas que o hospital ou o Caps são os lugares onde se vão, fazem o tratamento e depois a pessoa volta para a casa dela. Se for para ficar, que fique em observação como se trata qualquer outra doença. Que seja num Hospital Geral". O psicólogo diz que toda pessoa merece ser tratada com dignidade. "Viver em hospital é ficar com a dignidade é ceifada", lamentou.

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Ele também cobra a efetiva participação do Estado na nova política para a saúde mental.

Diante das críticas de psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e parentes de pessoas em tratamento que cobram o envolvimento do Estado na reforma psiquiátrica como acontece em outros estados, a Gazeta solicitou respostas das seguintes perguntas:

- Médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde psiquiátricas reclamam da falta de urgência e emergência no Hospital Geral do Estado e no interior para pacientes em surtos psiquiátricos. Procede a reclamação?

- O diretor do hospital Portugal Ramalho, médico Audênis Peixoto, também cobra mais apoio da rede estadual para pacientes que precisam de tratamento emergencial psiquiátrico. Por que o Estado não tem setor de psiquiatria nos hospitais como HGE e outros?

- A Associação que administra as residências terapêuticas condena a internação de longa permanência em hospitais psiquiátricos. O Estado tem como implantar residências terapêuticas no interior?

- Qual a contrapartida da Secretaria Estadual de Saúde para a manutenção das sete residências terapêuticas de Alagoas?

- Qual é a política de saúde mental da Sesau?

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As autoridades da Secretaria Estadual de Saúde não deram as respostas solicitadas pela Gazeta de Alagoas.