Cantada invasiva e encoxada são crimes. Conheça a Lei da Importunação Sexual
Sancionada em 24 de setembro de 2018, a Lei da Importunação Sexual (nº 13.718), conhecida como LIS, tipificou e criminalizou comportamentos como cantadas invasivas e beijar sem consentimento, entre outras condutas abusivas. Entretanto, passados dois anos de sua criação, é comum as pessoas ainda manifestarem dúvidas sobre a legislação e como ela pode ser aplicada no dia a dia.
De acordo com o Dossiê Mulher 2020, do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, o desconhecimento por parte das autoridades sobre a nova lei, que prevê reclusão de um a cinco anos se o ato não constituir crime mais grave, faz com que a LIS seja pouco utilizada para registros de ocorrências relacionadas à prática de ato libidinoso contra mulheres no Brasil.
“Crimes de ato obsceno e importunação sexual tiveram seus registros mais relacionados à Lei nº 9.099/1995, ao menos na confecção inicial do registro de ocorrência, isto é, considerados como de menor potencial ofensivo. Tal conduta revela o desconhecimento referente ao novo crime de importunação sexual”, diz o relatório.
A cartilha oficial da lei, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, diz ainda que 97% das mulheres brasileiras já sofreram importunação sexual. O transporte público permanece como o local onde as mulheres sentem maior risco de sofrer algum tipo de assédio (46%); seguido de rua (24%), bares e casas noturnas (8%), pontos de ônibus (7%), e trabalho (5%).
Assédio, Estupro e Importunação Sexual
Para melhor aplicação da norma, é fundamental evitar o conflito de entendimento, principalmente da população, sobre os diferentes conceitos. De acordo com o Código Penal Brasileiro:
Assédio Sexual: caracteriza-se por constrangimentos com a finalidade de obter favores sexuais feitos por alguém de posição superior à da vítima.
Importunação Sexual: praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou de outrem.
Estupro: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
É possível, também, perceber características frequentes de importunação sexual, e como ela se manifesta.
Acontece em espaço público;
Não há hierarquia entre vítima e agressor;
Sem uso de força/coação;
Cantada invasiva, beijo forçado, encoxada, ejaculação, passar mão são exemplos do que consta na LIS.
O que dizem especialistas
A presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, explica que a mudança na lei veio dos frequentes casos de importunação sexual que estavam acontecendo dentro dos transportes públicos.
“Estavam aproveitando a grande concentração de pessoas para praticar esses atos. É uma situação cotidiana que tem a ver com distúrbios comportamentais mas também com a questão do patriarcado, de enxergar a mulher como objeto sexual. O crime ter sido sancionado foi uma grande modificação em prol do combate à violência contra a mulher”, explicou.
Na visão da juíza, a legislação coloca o Brasil em posição de vanguarda, mas ainda é ineficiente porque o país é o terceiro do mundo com maior incidência de feminicídios. “O grande problema é o educacional, porque muitas mulheres não têm a noção de que estão sendo utilizadas como objeto. A gente precisa de uma conscientização em massa. Em um país que possui baixo índice de desenvolvimento humano, campanhas públicas são importantes”, ressaltou Renata.
Para a magistrada, apenas a punição tem o poder de inibir a ocorrência de novos crimes. “A impunidade gera a sensação de que tudo é possível. É importante as pessoas enxergarem esses atos como crime. Quanto mais casos nós tivermos de situações levadas à Justiça, menos casos teremos no futuro”, disse.
O professor especialista em direito e processo penal Leonardo Pantaleão concorda que a criminalização de condutas abusivas é importante para diminuir a quantidade de incidências.
“A única maneira de reduzir o índice de criminalidade é a certeza da punição. Por isso, a Justiça tem a obrigação de cumprir a lei, e as mulheres devem denunciar, não se conformar com esse comportamento. Assim, o criminoso não sai impune”, explicou.
Pantaleão acredita que a mudança da LIS deve ser disseminada para a lei ter êxito na implementação. “Quando há uma mudança legislativa, ela precisa ser difundida, seja através de campanhas de publicidade, conscientização não só das autoridades mas também da população”, finalizou.