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'Fiz a minha parte', diz jovem que ajudou a desmascarar condenado por contaminar parceiras com HIV

Por Extra Online 28/09/2021 11h11
'Fiz a minha parte', diz jovem que ajudou a desmascarar condenado por contaminar parceiras com HIV - Foto: Reprodução

Era início de 2015 e, recém-chegada ao Rio, uma jovem pernambucana, então com 23 anos, curtia o início do relacionamento com Renato Peixoto Leal Filho, duas décadas mais velho. Cerca de dois meses antes, o empresário havia localizado o perfil de Maria (nome fictício) no Instagram e iniciado tentativas de paquera com comentários nas fotos. 

Como não obteve resposta, Renato a localizou também no Facebook, rede pela qual insistiu na abordagem. Os dois começaram a conversar, trocaram telefone e, no dia 28 de dezembro, ela veio ao Rio para encontrar pela primeira vez aquele que já considerava como namorado, apesar dos contatos apenas virtuais. Em poucos dias, o casal estava morando junto no apartamento na Barra da Tijuca, com vista para o mar. Mas não demorou para que o conto de fadas virasse um filme de terror. 

Na semana passada, quase sete anos depois do início desta história, Renato — que é soropositivo e já havia sido condenado por contaminar ao menos duas mulheres com o vírus do HIV — teve a pena aumentada para 13 anos e quatro meses de prisão, o que deve levá-lo de volta para o regime fechado.— Recebi essa notícia (sobre o aumento da pena) com a sensação de que "fiz a minha parte" — conta Maria, responsável por iniciar uma rede de mulheres que desmascarou o empresário até levá-lo à Justiça.

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Ainda em 2015, ao arrumar enfeites em uma gaveta no apartamento do casal, Maria encontrou um envelope que chamou a atenção, com a logomarca de um laboratório e o nome de uma ex-companheira de Renato, uma jovem de 18 anos recém-completados à época. Desde o início da relação, ele havia feito repetidos pedidos para que a então namorada bloqueasse a anterior em todas as redes sociais, sob a justificativa de que a família dela seria envolvida com o tráfico e poderia fazer ameaças. 

Dentro do pacote, havia o resultado de um exame e o aviso: "Encaminhamento com urgência para infectologista, paciente HIV positivo". Todo o relato consta no processo em que o empresário acabou condenado. Maria, que havia sido convencida a manter relações sexuais sem o uso de preservativo, não fazia ideia da condição médica do namorado.

A primeira reação foi cobrar explicações do companheiro, que inicialmente negou tudo. Maria lembrou, então, que o parceiro já havia se gabado de ter "tirado a virgindade" da ex-namorada — o que, se verdade fosse, reforçava a via de contágio da qual desconfiava. Ela recordou também palavras ditas várias vezes por ele desde o início do relacionamento: a de que "marcaria" a vida dela para sempre. 

Pressionado, Renato admitiu que era soropositivo. Com medo do companheiro, que passou a demonstrar um lado ainda mais explosivo e agressivo do que o habitual, a jovem levou algumas semanas para conseguir deixar o apartamento com a ajuda de uma amiga e retornar para Pernambuco. Na bagagem, a despeito do teste negativo para HIV, levou traumas e uma certeza: a de que ajudaria outras mulheres a não passarem pela mesma situação.— Infelizmente, a justiça que conseguimos foi tardia, principalmente para as que não tiveram a mesma sorte que eu, de não contrair o vírus — lamenta Maria.

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Após voltar para casa, ela usou as redes sociais para localizar outras jovens que também tinham se relacionado com Renato. O relato colhido era sempre o mesmo: o empresário abordava moças pela internet e as convencia a sair. Posteriormente, sem informar sobre a doença, insistia em fazer sexo sem camisinha. Até a afirmação de que "marcaria para sempre" a vida das parceiras, dita em tom romântico, era uma constante nos relacionamentos do homem. Maria conseguiu conversar com quase uma dezena de vítimas. Pelo menos uma delas descobriu, apenas após o contato, que havia contraído o vírus do HIV.

Uma dessas ex-companheiras procurou a polícia, dando início a uma investigação na 16ª DP (Barra da Tijuca). O grupo de mulheres reuniu áudios com ameaças feitas por Renato caso as acusações fossem tornadas públicas. Elas também compilaram vídeos, que eram enviados às próprias vítimas, em que ele aparecia transando sem camisinha com várias parceiras. Todo o material foi entregue à delegacia em um pen-drive vermelho, colaborando para a resolução do inquérito e a posterior condenação.

Um laudo feito pelo Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) e anexado ao processo analisou 21 vídeos, 30 áudios e três fotos repassados pelas jovens. Em uma das gravações, retirada de uma mensagem enviada a uma das mulheres, Renato diz: "Posso até te comer de novo sem camisinha e o c... (palavrão) a quatro que não vai pegar. Não viaja". Pouco depois, ele afirma: "Não sou um cara aidético, sacou?". E arremata: "Eu tenho o vírus dentro de mim, que está neutralizado. Está morto, está quase morto". 

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Um médico que acompanhava o empresário depôs durante o julgamento e afirmou que acompanhava o réu no tratamento desde 1999. 

Ele garantiu que "todos os pacientes, a partir do momento em que é constatada a doença, recebem a informação sobre os riscos de transmissão".— Acredito que ele não se arrependeu de nada do que fez. Inclusive, estou certa de que é um tipo de pessoa que apresenta risco se permanecer solto em sociedade. Ele é um monstro. E estava certo de que nunca iria preso por isso — lembra Maria, que até os dias atuais, passados anos do relacionamento com Renato, tem dificuldades de relembrar mais a fundo aquele período: — Hoje, só quero seguir em frente.

A Primeira Câmara Criminal do Rio decidiu, por unanimidade, aumentar em 5 anos e 4 meses a pena de Renato, que havia sido condenado a sete anos de reclusão em junho de 2018. De acordo com a Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap), o empresário estava em Prisão Albergue Domiciliar desde setembro de 2019, após pouco mais de dois anos na cadeia. Ele havia sido preso preventivamente em julho de 2017, depois que a investigação da 16ª DP apontou que ele havia transmitido intencionalmente o vírus da AIDS para pelo menos duas mulheres. A decisão frisa que deve ser "mantido o regime inicial fechado, como fixado na sentença". Assim, após a conclusão dos trâmites burocráticos, o mais provável é que Renato tenha de retornar a um presídio.

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O caso seguiu para a segunda instância porque tanto a defesa de Renato, que queria a absolvição, quanto o Ministério Público do Rio (MP-RJ), pleiteando uma pena maior, recorreram da sentença inicial. Os desembargadores acabaram concordando com a tese da promotoria, que pediu uma punição mais rigorosa pelo fato de que as vítimas mantinham um relacionamento com o empresário e de os crimes terem sido cometidos mais de uma vez em sequência.

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