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Governador do Acre recebeu R$ 6,1 mi em propinas, diz MPF

Por redação com G1 30/11/2023 19h07
Gladson Cameli está em Dubai, nos Emirados Árabes, participando da COP-28 - Foto: Mardilson Gomes/SEE

A denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o governador Gladson Cameli aponta que a empresa Murano Construções e empresas subcontratadas - sendo o irmão do governador, Gledson Cameli, um dos sócios dessa empresa – teriam pagado propina ao chefe do executivo estadual em valores que superam os R$ 6,1 milhões, por meio do pagamento de parcelas de um apartamento em bairro nobre de São Paulo e de um carro de luxo.

"Embora a denúncia trate apenas dos crimes praticados no âmbito do contrato firmado pelo governo estadual do Acre com a empresa Murano, há provas de que o esquema se manteve mesmo após o encerramento da contratação. Foram identificados oito contratos com ilegalidades, e a estimativa é que os prejuízos aos cofres públicos alcancem quase R$ 150 milhões", diz o Ministério Público Federal (MPF).

A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STF) que o governador do Acre, Gladson Cameli (PP), seja imediatamente afastado do cargo.

Ao longo de quase 200 páginas, o MPF apresenta amplo material probatório dos crimes praticados e que tiveram como ponto de partida a fraude licitatória, o que consistiu na adesão da Secretaria de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano do Estado do Acre a uma ata de registro de preços vencida pela empresa Murano, que tem sede em Brasília (DF), e nunca havia prestado serviços no Estado do Acre.

O objeto da licitação feita pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano (campus Ceres /GO) era a prestação de “serviços comuns de engenharia referentes à manutenção predial”. Já no Acre, a empresa foi responsável pela execução de grandes obras rodoviárias, tarefas executadas, conforme a denúncia, por companhias subcontratadas, uma delas a Rio Negro Construções, que tem como sócio Gledson Cameli, irmão do governador.

Em troca de mensagens, um dos sócios da Murano conversa com sua mulher informando as obras que tinham no estado.

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"Com esse propósito, Gladson de Lima Cameli, Gledson de Lima Cameli, Hudson Marcelo Amaral de Souza, Gabriel Locher, Rodrigo Manoel Oliveira de Souza e Neyrander José Pereira de Souza ajustaram o modo pelo qual a gestão contratual se submeteria diretamente à autoridade dos irmãos Cameli, sem que sua participação no lucros decorrentes fosse evidenciada", diz a denúncia.

Conforme o documento, a adesão à ata de registro de preços foi feita em maio de 2019 pelo secretário de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano, Thiago Rodrigues Gonçalves Caetano, um dos denunciados pelo MPF. Uma semana depois, o governo estadual, por meio da secretaria, assinou contrato com a vencedora do certame licitatório efetivado por meio de pregão eletrônico.

Os investigadores descobriram que, no dia seguinte à contratação, a Murano firmou com a Rio Negro uma Sociedade em Conta de Participação. Para Carlos Federico Santos, o modelo de sociedade foi escolhido por permitir que o sócio - no caso, o irmão do governador, que por lei não pode contratar com o poder público - permanecesse oculto.

"Isto é, um dia após celebrar contrato milionário com o estado do Acre, a Murano empresa sem qualquer know-how específico da localidade de execução dos serviços, contratou indiretamente e de forma velada a empresa do irmão do governador, a qual igualmente não possuía atividade no Estado do Acre e passou a receber vantagens advindas da execução do pacto com o governo estadual."

Em nota, o governador do Acre, Gladson Cameli, disse que confia na justiça, se mantém à disposição para quaisquer esclarecimentos e continua com sua agenda na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-28), que ocorre em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, entre 30 de novembro e 12 de dezembro.

"Diante das publicações recentes veiculadas na imprensa acreana e nacional acerca de denúncia da Procuradoria-Geral da República, e, consequente, pedido de afastamento do exercício do mandato, o governador Gladson Cameli mantém sua confiança na Justiça, mantendo-se à disposição para quaisquer esclarecimento, bem como permanece cumprindo suas obrigações como chefe do Poder Executivo do Estado do Acre".

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Suposto esquema

As informações reunidas ao longo da investigação comprovaram que 64,4% do total pago pelo estado à Murano decorreu da suposta execução de obras viárias, sobretudo manutenção e construção de rodovias e estradas vicinais, serviços diversos do previsto no contrato.

“Aproximadamente dois terços do valor pago correspondem a objeto totalmente estranho ao contratado, em claro desvirtuamento do princípio da isonomia”, pontua um dos trechos da denúncia. Para os investigadores, a burla à licitação está amplamente configurada, uma vez que o objeto real das obras (a construção de rodovias) deveria ter sido tratado em processo licitatório específico.

Também chamou a atenção o fato de a empresa Murano não ter nenhuma estrutura empresarial no Acre. A Controladoria -Geral da União (CGU) indicou ter havido “subcontratação integral do objeto do contrato, o que configura fuga ao procedimento licitatório e fere o princípio da igualdade, bem como afronta o art. 37, XXI, da Constituição Federal”.

"Além disso, a descoberta de que essa subcontratação se deu em favor de uma empresa do irmão do governador revela, na avaliação dos investigadores, a utilização de expediente ilegal para encobrir o real destinatário dos recursos, o chefe do Executivo, apontado como o líder da organização criminosa."

Gladson de Lima Cameli (PP) e outras doze pessoas são suspeitas pelos crimes de organização criminosa, corrupção nas modalidades ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro e fraude a licitação. Iniciadas em 2019, as práticas ilícitas descritas na denúncia teriam causado prejuízos de quase R$ 11,7 milhões aos cofres públicos. Além da condenação de forma proporcional à participação individual no esquema criminoso, o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos pediu o afastamento do governador até o fim da instrução criminal. Somadas, as penas pelos crimes podem ultrapassar 40 anos de reclusão.

A denúncia foi apresentada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), foro para processamento de autoridades como governadores, e está restrita a um dos fatos apurados na Operação Ptolomeu: irregularidades envolvendo a contratação fraudulenta da empresa Murano Construções LTDA, que teria recebido R$ 18 milhões dos cofres públicos para a realização de obras de engenharia viária e de edificação. Além do governador, também foram denunciados a ex-mulher de Cameli, dois irmãos do chefe do Poder Executivo, servidores públicos, empresários e pessoas que teriam atuado como “laranjas” no esquema.

O que o MPF pede

Em relação ao governador, o MPF pede que ele responda por dispensa indevida de licitação (art. 89 da Lei 8666/93), peculato (nesse caso, praticado por 31 vezes), corrupção passiva, lavagem de dinheiro (46 vezes) e organização criminosa. Quanto aos demais, foi requerida condenação considerando a imputação individual. Além disso, há pedido para que a decisão judicial decrete a perda da função pública de todos os que se enquadram na situação, incluindo o governador, além do pagamento de indenização mínima e R$ 11.785.020,31, conforme previsão do Código de Processo Penal.

Diante da gravidade dos fatos e da necessidade de resguardar a instrução processual e as demais frentes investigativas, o MPF pediu o afastamento cautelar das funções públicas do governador e demais agentes públicos denunciados até o fim da instrução criminal, além da proibição de contato entre os denunciados, que também não poderão se aproximar da sede do governo estadual. O MPF ainda pede que seja determinado bloqueio cautelar de bens dos denunciados de forma solidária até o valor de R$ 12 milhões, para assegurar a reparação ao erário em caso de futuras condenações. Os pedidos serão analisados pela relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi.

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Provas

As provas reunidas na investigação levaram à conclusão de que, do total de recursos retirados dos cofres públicos, apenas 35% foram destinados ao pagamento por serviços prestados pelas empresas subcontratadas.

Segundo a denúncia, a maior parte (65%) seria relativa ao superfaturamento e sobrepreço, tendo como destino o repasse ao governador, ao irmão e a outros envolvidos. Para Carlos Frederico, o peculato está devidamente comprovado, bem como o dolo e a má fé dos acusados. Foi possível comprovar, por exemplo, que as ordens de serviço emitidas no âmbito do contrato eram criadas considerando “o saldo de empenho existente em determinada rubrica orçamentária, e não a real e efetiva necessidade do órgão público contratante”.

A adesão à ata de registro de preço - prática conhecida como “carona” - permite que um órgão da Administração Pública promova uma contratação aproveitando a licitação feita por outra entidade pública. No entanto, a denúncia explicita que o esquema montado pelos investigados permitiu que se efetivasse uma dispensa de licitação para além das hipóteses das previstas na Lei de Licitações 8.666/ 93. “As condutas foram praticadas pelos concorrentes de forma dolosa, com o intuito de obtenção de vantagem indevida em detrimento do erário, desejando-se efetiva lesão ao patrimônio público. Mais além, a conduta implicou o prejuízo por sobrepreço e superfaturamento”, reitera o texto.

A petição destaca em diversos trechos que o esquema se manteve com a participação de empresas de fachada, mesmo após o fim do contrato com a Murano. Ao todo, R$ 270 milhões foram pagos pelo Estado, sendo que R$ 150 milhões podem ter sido desviados. Para o MPF, trata-se, portanto, de uma sofisticada organização criminosa, entranhada na cúpula do Poder Executivo acreano. “Os integrantes do grupo, além de se locupletarem, trouxeram sensível prejuízo à população acreana, que deixou de ter os serviços públicos regularmente custeados pelas verbas desviadas em prol dos interesses egoísticos dos integrantes da ORCRIM”, frisa.

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Ptolomeu: entenda

O inquérito foi aberto pela Polícia Federal em julho de 2021 baseado em outras operações da polícia, que, segundo o relatório, mostravam a ligação do governador do Acre, Gladson Cameli, em algumas movimentações. O Relatório de Inteligência Financeira (RIF) teria apontado, a princípio, 35 comunicações de operações financeiras suspeitas e, destas, 20 possuíam Cameli como titular ou envolvido.

Entre essas movimentações estavam:

compra de cinco carros de luxo, entre eles uma BMW X4;
três lotes em um condomínio fechado e considerado de luxo em Rio Branco;
uma tentativa de comprar um apartamento no valor de mais de R$ 5 milhões.

Qual seria a participação do governador do Acre suposto esquema?

A investigação da PF, que desencadeou a 1ª fase da Operação Ptolomeu em dezembro de 2021, mostrou que o governador do Acre, Gladson Cameli, seria o principal beneficiário do suposto esquema de corrupção no alto escalão da gestão. A PF aponta ainda episódios de superfaturamento, propina, empresas fantasmas e movimentações bancárias com altos valores.

No inquérito detalhado, obtido pelo g1, a PF aponta que o esquema era dividido em núcleos compostos pelo próprio governador Gladson Cameli (Progressistas), a ex primeira-dama do Estado, Ana Paula Cameli, servidores públicos que ocupavam cargos de confiança no governo e empreiteiras da família Cameli, que atuam no Acre e também em Manaus.

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Quais os resultados da 1ª fase da operação?

No dia 16 de dezembro de 2021, a PF, com apoio da Controladoria-Geral da União (CGU), deflagrou a primeira fase da Operação Ptolomeu, e cumpriu 41 mandados de busca e apreensão e um mandado de prisão no Acre, Amazonas e Distrito Federal. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), que autorizou a operação, determinou o afastamento das funções públicas dos envolvidos.

Nessa fase foram apreendidos, segundo a PF:

Seis veículos, estimados em R$ 1,7 milhão;
R$ 600 mil em espécie, entre dólares, euros e reais;
33 relógios e 10 joias de alto valor, totalizando mais de R$ 1 milhão, aproximadamente;
R$139 mil em celulares apreendidos.

O apartamento do governador do estado, Gladson Cameli (PP) foi um dos locais onde as buscas foram realizadas na época. Além disso, os policiais estiveram no escritório do governador; Palácio Rio Branco e Casa Civil.

Além do governador, servidores públicos do Acre e familiares do gestor em Manaus (AM) foram alvos da operação.

Também em 2021, Gladson Cameli afirmou que tinha a consciência "tranquila" e que a polícia estava cumprindo seu papel de apurar denúncias.

"Quem não deve, não teme. Não devo, não temo e quero que fique até o final, se tiver coisa errada vai para a rua [o servidor] e tem que prestar contas à sociedade, porque é dinheiro público", disse à época.